Rubens Amador
O milagre
Rubens Amador
Jornalista
Fazem dezenas de anos que acredito em milagres. Como o que aconteceu comigo na porta do Sete de Abril, quando tinha dez anos de idade. Vou contar.
Passava o filme Gunga Din, no Sete. Eu estava sem um níquel sequer. Louco para ver aquele filme de que se falava muito bem. Era com Sam Jaffe, que fazia um "bhisti" (aguadeiro) indiano, o guerreiro que saciava a sede dos feridos em um campo de batalha. E tinha ainda Cary Grant, Victor Mc Laglen e Douglas Fairbanks Jr. Eu estava aflito para entrar, embora sem nenhum níquel, como disse. Esperava que algo acontecesse. Eu me sentia lá dentro.
Estava parado na primeira porta, fingindo ver um cartaz, mas estava mesmo era olhando para o porteiro e procurando pelo Sr. Gerber, o gerente, pois ele me conhecia de quando eu entregava os filmes vindos do Avenida, trazidos pelo seu Alípio, de carro. Ansioso estava, pois os complementos já iam começar. Naquele tempo ainda não se utilizavam as filas e as bilheterias ficavam apinhadas de gente, umas por cima das outras, para tirarem suas entradas. (As filas começaram durante a Segunda Guerra, quando os soldados se organizavam para receberem cartas e encomendas). Pois eu estava ali na primeira porta, parado, esperando por um milagre, para que o gerente me visse, se lembrasse de mim e me mandasse entrar. Mas nada. Do meu lado, aquele amontoado de gente tirando seus ingressos. Dezenas de mãos dirigidas à bilheteira.
De repente, ouço o tinir de uma moeda caída ao chão. Pois quis o destino que ela rodasse e batesse no meu pé direito na altura do dedo mínimo. Meu coração pulou e só tive o trabalho de pôr o pé em cima da moeda que eu imaginei dar para ir para a "geral", o "poleiro". Serenado o tumulto, e a procura pela moeda, abaixei-me e peguei-a. Eram "dez tostões" _ um mil réis. Em seguida tirei a minha meia entrada e ainda deu para um pacote de pipoca de 200 réis. Corri para dentro do cinema, que já começava. Ao sair, pensei: foi um milagre, só poderia ter sido! Mas lembrei-me que cometera um leve deslize, e disse para comigo: "vou devolver este mil réis em esmolas". Eu não podia perder era Gunga Din!
Dias depois, assim que vi a carrocinha do Asilo de Mendigos, que andava bem devagar pelas ruas da cidade, conduzida por um asilado e que se destinava a colher espórtulas para a instituição que mantinha os mendigos, coloquei 500 réis num dos rasgos da carrocinha. Semanas depois, encontrei uma senhora aleijada, então dei-lhe outros 500 réis. E fiquei em paz com meu coração.
Naquele tempo não se podia dizer nome feio na Semana Santa. Depois disso, contei a todos o milagre que tinha acontecido comigo no velho Sete de Abril. No qual acredito até hoje!
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário